Os episódios recentes envolvendo líderes empresariais e figuras públicas reacendem discussões cruciais sobre liderança, cultura organizacional, diversidade, inclusão e governança. Suas declarações e ações — em relação ao papel das mulheres em cargos de liderança, à seletividade com base em visões políticas, agressões físicas e verbais — evidenciam um modelo de liderança que parece operar em níveis específicos de consciência, conforme descrito por renomados pensadores das teorias evolutivas e de desenvolvimento com os quais estudo e trabalho: Robert Kegan, Jennifer Garvey Berger, Bob Anderson e Frederic Laloux.
Níveis de Consciência e Liderança
Robert Kegan e Jennifer Garvey Berger são referências no estudo do desenvolvimento adulto, também conhecido como desenvolvimento vertical. Eles identificam cinco formas ou ordens da mente, níveis de consciência que representam diferentes estágios de complexidade mental. À medida que os indivíduos evoluem por esses estágios, sua forma de entender a si mesmos, os outros e o mundo se torna mais sofisticada e integrada.
Mente Mágica (Magical Childhood Mind) – Principalmente crianças pequenas. Nessa fase, o indivíduo age de forma impulsiva, focado em suas necessidades imediatas, sem reflexão sobre as consequências. A compreensão do mundo ainda é mágica e centrada em si mesmo. Líderes nesse nível tendem a ser reativos, agindo sem empatia ou preocupação com os outros.
Mente Soberana (Self-Sovereign Mind) – Crianças mais velhas, adolescentes e alguns adultos. O foco está em trocas diretas e controle. O indivíduo toma decisões baseadas em seu próprio interesse e está preocupado em manter poder e controle. Sua visão do mundo é egocêntrica e simplificada, com pouca empatia pelas perspectivas dos outros. Líderes nesse estágio tendem a ser rígidos e controladores, precisando de constante reforço de regras.
Mente Socializada (Socialized Mind) – Adolescentes mais velhos e a maioria dos adultos. Aqui, o indivíduo começa a internalizar as expectativas e normas sociais. Ele busca aceitação externa e conformidade com as expectativas dos outros. Líderes nesse nível tendem a buscar consenso e validação, mas têm dificuldade em desafiar normas estabelecidas.
Mente Autoral (Self-Authoring Mind) – Alguns adultos. A Mente Autoral é caracterizada pela independência. O indivíduo começa a definir seus próprios valores e crenças, questionando as normas sociais. Líderes nesse estágio são mais estratégicos e conseguem lidar com diferentes perspectivas de maneira consciente e baseada em princípios, promovendo inovação e mudanças.
Mente Autotransformadora (Self-Transforming Mind) – Alguns poucos adultos. No nível mais avançado, o indivíduo integra múltiplas perspectivas e lida com a complexidade de maneira fluida. Líderes com essa mentalidade veem a diversidade como uma ferramenta estratégica essencial para inovação e transformação organizacional.
Níveis de Consciência e Organizações
Frederic Laloux, em Reinventando Organizações, propõe que as empresas evoluem em níveis de consciência, com estruturas, práticas e culturas que variam do mais autoritário ao autogerido. O estágio a partir do qual uma organização funciona é determinado pelo nível de consciência de sua liderança. Consciente ou inconscientemente, os líderes estabelecem estruturas, práticas e culturas que refletem sua maneira de lidar com o mundo, moldando a organização de acordo com sua própria visão.
Vermelho (Impulsivo) – Poucas organizações. Organizações Vermelhas são centradas no poder e no controle autoritário, com uma estrutura hierárquica rígida e forte ênfase no comando e na obediência.
Âmbar (Conformista) – Algumas organizações. Empresas Âmbar valorizam estabilidade, regras e tradições. Operam com hierarquias formais e são resistentes à mudança, priorizando a previsibilidade.
Laranja (Realizador) – Muitas organizações. No nível Laranja, as empresas são orientadas para eficiência, competição e crescimento. Elas focam no desempenho e na inovação, mas muitas vezes à custa do bem-estar dos colaboradores e da inclusão.
Verde (Pluralista) – Algumas organizações. Empresas Verdes priorizam o empoderamento e o desenvolvimento humano. Valorizam a colaboração, confiança e inclusão, buscando uma cultura mais humanizada, embora ainda operem dentro de uma hierarquia flexível.
Teal (Evolutivo) – Algumas poucas organizações. Organizações Teal operam de forma autogerida e são orientadas por um propósito evolutivo. Elas promovem a autonomia dos colaboradores, integração plena e inovação, com uma liderança distribuída e baseada na inclusão e colaboração.
Alguns pontos importantes sobre os níveis de consciência da liderança e das organizações incluem:
Adultos passam por estágios previsíveis de crescimento: Assim como as crianças se desenvolvem em fases, os adultos também evoluem através de estágios previsíveis de desenvolvimento mental e emocional.
Em cada estágio, os adultos podem lidar com mais complexidade: À medida que avançam em seu desenvolvimento, os indivíduos conseguem lidar com questões mais complexas, enxergar mais perspectivas e ter maior consciência de seu próprio pensamento e comportamento.
Transcender e incluir: Um estágio de desenvolvimento não substitui completamente o anterior. Ele transcende o estágio anterior, mas inclui aspectos dele. Isso significa que, ao avançar para um novo nível de consciência, as qualidades do nível anterior ainda são mantidas e utilizadas quando apropriado.
Não pulamos estágios: O desenvolvimento é gradual, e cada estágio de consciência é necessário para o próximo. Não é possível "pular" de um nível para outro mais avançado sem passar pelos estágios intermediários.
Um estágio não é "melhor" que o outro: Cada nível de consciência traz consigo mais complexidade, mas não é intrinsecamente "melhor" do que os anteriores. Ele apenas oferece maior capacidade para lidar com questões complexas e multidimensionais.
Operar em múltiplos níveis: Centro de Gravidade: Uma pessoa pode operar predominantemente em um nível de consciência, chamado de centro de gravidade, como a Mente Socializada, e ainda assim acessar níveis mais avançados em certos contextos. Da mesma forma, uma empresa predominantemente "Laranja" pode adotar práticas de níveis superiores, como inclusão e empoderamento, dependendo das demandas e circunstâncias. O centro de gravidade representa o nível principal em que indivíduos e organizações normalmente funcionam, mas não limita a capacidade de acessar outros níveis de consciência conforme o contexto exige.
Desenvolvimento não contínuo e períodos de transição e estabilização: O crescimento não ocorre de forma linear e contínua. Existem períodos de trasição e estabilidade, conhecidos como "platôs", seguidos por períodos de transformação e mudança. Após cada salto evolutivo, indivíduos e organizações tendem a permanecer em um nível de consciência por um tempo considerável antes de avançar novamente. Os intervalos entre essas transformações tendem a se alongar à medida que se alcançam níveis mais altos.
O nível de consciência de uma organização é determinado pelo nível de consciência de sua liderança: Os líderes influenciam diretamente as estruturas, práticas e culturas da organização, conforme sua visão de mundo, consciente ou inconscientemente. Dessa forma, o estágio de evolução de uma organização está intimamente ligado à maneira como seus líderes compreendem o mundo e à sua capacidade de lidar com a complexidade na qual estão inseridos.
Conclusão
Os episódios recentes envolvendo líderes empresariais e figuras públicas refletem níveis menos avançados de consciência, tanto no âmbito pessoal quanto organizacional. A tendência de criar uma mentalidade de “nós versus eles”, impulsividade, poder e controle, baseada em visões polarizadas, evidencia uma limitação de consciência. Essa divisão entre grupos favorecidos e marginalizados dificulta a inclusão e a cooperação, características típicas de estágios menos complexos de desenvolvimento.
Para evoluir para níveis mais elevados de consciência, tanto o líder quanto a organização precisam adotar uma abordagem mais inclusiva, empática e flexível. O desenvolvimento contínuo em direção à Mente Autotransformadora e às práticas organizacionais Verde e Teal permite não apenas um maior sucesso, mas também uma contribuição mais significativa para o bem-estar coletivo e um impacto social positivo.
A transformação é possível, desde que haja abertura para o aprendizado e crescimento, tanto pessoal quanto organizacional. Ao trilhar essa jornada evolutiva, líderes e empresas podem criar ambientes mais inovadores, colaborativos e sustentáveis, prontos para enfrentar os desafios complexos do mundo moderno.
Patricia Gibin é consultora e coach. Fundou a For Change para apoiar a transformação da consciência de pessoas, times e organizações, por meio de programas de desenvolvimento de liderança e de carreira.
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