ESPIRITUALIDADE E PROPÓSITO: Por que essa distinção importa no trabalho
- Patrícia Gibin

- 23 de jul.
- 4 min de leitura

A conversa que me fez revisitar os conceitos
Uma das coisas que mais me estimula na vida é aprender, e meus clientes constantemente me desafiam a aprender coisas novas e revisitar conceitos antigos. Aliás, me surpreendi ao escrever isso, porque percebi que isso é parte do meu propósito: essa dança entre o velho e o novo.
Recentemente, uma coachee fez uma observação que me levou a uma reflexão importante: "Calling e propósito são coisas diferentes para mim."Ela estava certa — e essa distinção merece ser esclarecida.
Na verdade, eu já havia feito esse questionamento durante a pesquisa para a minha dissertação em 2015–2016 e, no ano seguinte, quando baseei e refinei a minha metodologia de coaching de carreira.
Buscando a fonte
Fui direto à fonte. Perguntei à professora Amy Wrzesniewski, da Yale School of Management, cujas publicações eu já acompanhava. Estudando inicialmente funcionários administrativos de hospitais — e, mais tarde, médicos e outros profissionais —, ela identificou três formas distintas de se relacionar com o trabalho:
Job (emprego): trabalho como fonte de renda
Career (carreira): trabalho como caminho de crescimento e reconhecimento
Calling (chamado): trabalho carregado de propósito, alinhado a um senso de contribuição para algo maior
O mais fascinante? Pessoas exercendo a mesma profissão podem se relacionar com o trabalho de formas profundamente diferentes. Cerca de um terço dos participantes se enquadrava em cada categoria.
Ao ver publicações não acadêmicas adaptarem essas categorias para uma linguagem mais acessível — como job (emprego), money (dinheiro) e purpose (propósito) — percebi uma confusão comum. Essa troca de calling por propósito, inclusive em uma pesquisa do LinkedIn em parceria com a Imperative, me despertou uma dúvida.
Perguntei diretamente a ela:
"Podemos chamar chamados (callings) de propósito?"
E sua resposta foi clara:
"Não. Chamados (callings) são diferentes de propósito."
Ela ainda me indicou publicações para aprofundar o tema. A provocação da minha coachee, combinada com meu momento atual de desenvolvimento, me levou a revisitar essas leituras com um olhar mais aberto para a espiritualidade.
O significado do trabalho
Um modelo importante para compreender o significado do trabalho foi desenvolvido por Rosso e colaboradores, que organizaram o tema a partir de quatro fontes de significado e sete mecanismos psicológicos.
As fontes são os domínios nos quais o trabalho adquire sentido.
Os mecanismos explicam os processos internos que fazem com que esse significado seja percebido e vivido.
As quatro fontes de significado:
O self: valores, motivações, crenças
Os outros: colegas, líderes, grupos e comunidade, família
O contexto do trabalho: tarefas, missão organizacional, condições financeiras, cultura, vida fora do trabalho
A vida espiritual: espiritualidade e chamado sagrado
Os sete mecanismos psicológicos:
Autenticidade
Autoeficácia
Autoestima
Propósito
Pertencimento
Transcendência
Significação cultural e interpessoal
A vida espiritual e o propósito
Nos deparamos com a complexidade do significado do trabalho através do modelo. Ele revela múltiplas camadas e nuances, ajudando-nos a entender uma diferença importante: a vida espiritual — que inclui espiritualidade e chamados sagrados — é uma das quatro fontes que dão sentido ao trabalho. Já o propósito é um dos sete mecanismos, ou seja, os processos através dos quais as fontes contribuem para a criação de significado no trabalho. São, em outras palavras, o como e o porquê que fazem as fontes darem sentido ao trabalho.
A vida espiritual é uma das fontes que ajudam a dar sentido ao trabalho, e isso acontece de duas maneiras principais: pela espiritualidade e pelo chamado sagrado. A espiritualidade é a busca por conexão com algo maior do que a gente — pode ser uma força, uma energia. Quando enxergamos o trabalho por esse olhar, ele deixa de ser apenas uma atividade prática e passa a ser uma forma de cuidar, servir ou se conectar com algo além de nós mesmos.
Já o chamado sagrado é a sensação de que fomos “chamados” por algo divino para realizar um certo tipo de trabalho. Nesse caso, mesmo tarefas simples ganham sentido, porque sentimos que estamos cumprindo uma missão maior. Mas tanto a espiritualidade quanto o chamado sagrado só se transformam em significado no trabalho quando se conectam a um mecanismo chamado propósito — que é o que dá direção e intenção ao que fazemos.
O propósito funciona como um fio que costura essas experiências espirituais em uma sensação real de que o nosso trabalho tem sentido.
Por que escolhi o propósito?
É por isso que, como parte do meu programa de coaching de carreira, proponho um exercício sobre propósito com o objetivo de ajudar a pessoa a chegar a uma declaração “suficientemente boa” — expressão emprestada de Donald Winnicott, que cunhou o conceito de “mãe suficientemente boa”.
Afinal, estamos lidando com um processo construído em tempo limitado. Mas esse primeiro momento marca o início de um contato mais profundo com o próprio propósito.
Geralmente, as primeiras versões da declaração não chegam lá. É preciso refinar, tirar o que não é essencial, escolher melhor as palavras, simplificar... Até encontrar aquela frase que, quando você lê, pensa: “é isso.”
Não é fácil.
Propósito e vida espiritual não costumam aparecer nas primeiras etapas da vida adulta. Nos estágios iniciais, buscamos pertencimento, segurança, validação. Olhamos para fora em busca de respostas. Nessa fase, é difícil ouvir a si mesmo com profundidade — e quase impossível confiar nesse movimento interno como guia.
É só quando começamos a nos desapegar das referências externas e a formar uma perspectiva mais própria que o propósito pode emergir.
Ele não se impõe, nem se escolhe. Ele se revela.
Essa virada de dentro para fora marca um novo estágio: mais autoral, mais consciente, mais autêntico. E, em alguns casos, é justamente nessa reconexão com a espiritualidade que se abre o caminho para o próximo estágio — onde a transformação não é só interna, mas também sistêmica, contínua e integral.





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