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LIDERANÇA SERVIDORA: O Papa Francisco e a liderança servidora

  • Foto do escritor: Patrícia Gibin
    Patrícia Gibin
  • 9 de mai.
  • 4 min de leitura

Foto do papa Francisco rezando em praça vazia que marcou a pandemia de covid-19.
Foto do papa Francisco rezando em praça vazia que marcou a pandemia de covid-19.

Quando acordei na segunda-feira de Páscoa, 21 de abril de 2025, com a notícia do falecimento do Papa Francisco, foi um baque — por mais que soubesse da sua situação crítica de saúde e, de certa forma, já estivesse vivendo a expectativa de que esse dia chegaria. Que tristeza! Que perda!


Comecei a pensar em muitas coisas. Me deu vontade de escrever — acho que me tornei devota da escrita reflexiva. Este texto não é sobre mim; é sobre ele, e é sobre nós. Mas não posso deixar de reconhecer a minha própria perda — sendo católica, embora me considere mais espiritualizada do que religiosa — perda esta que, de alguma forma, estendo a todos, católicos ou não.


Já li muito sobre o luto. Acho que, desde a pandemia — que coincidiu com a progressão da doença do meu pai —, aprofundei ainda mais essas leituras. Até cheguei a republicar um artigo antigo sobre a importância do luto nas transições de carreira.


Para mim, perda é perda — e a resposta (emocional, psicológica, física e social) é o luto, mesmo quando a gente não consegue perceber ou nomeá-lo. Pode ser só um sentir-se estranho, ou meio triste… ou muito triste, até chorar. Também já escrevi sobre o choro. No caso da morte, perde-se a pessoa em sua forma humana e, de algum modo, ganha-se na forma espiritual: uma perda, um ganho.


Uma das melhores referências sobre o luto, na minha opinião, é Elisabeth Kübler-Ross, que descreveu os cinco estágios do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Mais tarde, David Kessler, especialista em luto que trabalhou diretamente com Kübler-Ross em seus últimos anos, acrescentou um sexto estágio ao modelo — encontrar sentido (finding meaning) — com a bênção da família dela, após seu falecimento.Vale ressaltar alguns pontos importantes sobre esse modelo: ele é descritivo, não prescritivo. Isso significa que não deve ser usado para rotular pessoas em determinados estágios, mas para compreender que essas fases podem se manifestar de formas distintas. Além disso, o processo não é linear, e nem todas as pessoas passam por todos os estágios. Cada experiência de luto é única e pessoal.Não me lembro se conheci esse modelo pelo artigo de Scott Berinato, “That Discomfort You’re Feeling Is Grief”, ou pelo texto de Adam Grant, “There’s a Name for the Blah You’re Feeling: It’s Called Languishing”, onde ele cita esse artigo.


De qualquer forma, o conceito já me era familiar, pois foi amplamente adaptado por consultores e acabou se popularizando como a chamada curva da mudança, aplicada a processos de transição e transformação em contextos organizacionais — ainda que haja críticas sobre essa transposição direta.


Talvez eu esteja entre a aceitação e o encontrar sentido, entre a perda e o ganho, diante do falecimento do Papa Francisco — duelando entre racionalizar e me conectar com o propósito.


Pensei também na perda do exemplo de liderança que ele foi — e, com isso, me veio à mente o conceito de liderança servidora — ou, mais precisamente, o que Robert K. Greenleaf chamou de “o servidor como líder”. Greenleaf fazia questão de destacar essa inversão: o líder verdadeiro é, antes de tudo, alguém que serve. Como ele próprio escreveu, o sujeito é o servidor — ou o ato de servir — e o predicado, o líder; a liderança surge como consequência natural desse compromisso com o serviço.


Essa filosofia do servir à qual Greenleaf se refere não é uma invenção dele, mas uma ideia muito antiga, presente em diversas tradições espirituais, filosóficas e religiosas — especialmente no cristianismo, e em outros sistemas éticos que exaltam a humildade, o cuidado com o outro e o altruísmo como virtudes centrais.


Greenleaf, ao formular o conceito de “the servant as leader”, foi bastante influenciado por essas fontes — mas, em especial, por um livro chamado "Journey to the East" (A Viagem ao Oriente), escrito por Hermann Hesse, que ele cita explicitamente em seu ensaio original. No livro, há uma figura chamada Leo, um servo que, aparentemente, só cuida das pequenas tarefas, mas que se revela o verdadeiro líder espiritual do grupo. Essa história impactou profundamente Greenleaf e o inspirou a pensar a liderança como um ato de servir primeiro — uma inversão do modelo tradicional de poder e comando.

Me pergunto, então, por que esse conceito — tão potente em sua simplicidade — não reverberou como poderia. Por que ainda encontramos tão poucos exemplos de líderes que, de fato, se colocam a serviço dos outros dentro das organizações?


Talvez porque, na prática, ainda estejamos presos à lógica da relação líder / liderado, onde o poder e a hierarquia seguem ocupando posição central. Inverter essa lógica significa adotar uma relação liderado / líder — em que o líder se coloca genuinamente a serviço do desenvolvimento de quem lidera, imbuído da intenção de nutrir e cuidar desse crescimento.


Inverter a pirâmide não é apenas uma metáfora. É uma escolha intencional de colocar o outro no centro. Não para abdicar da liderança, mas para exercer uma liderança que, justamente por servir, transforma.


Hoje, no dia de seu sepultamento, sigo grata por ter vivido na mesma época que o Papa Francisco — e por levar comigo o seu exemplo. Obrigada, Papa Francisco.



PS: As fotos são do livro da missa celebrada pelo Papa Francisco no dia 16 de maio de 2016. Ao planejar alguns dias de férias em Roma com a família, consultei as atividades do Papa e vi que ele celebraria uma procissão seguida de missa. Eu — e também por minha filha, na catequese na época — queria muito vê-lo. Sincronicidade que parece querer nos dizer algo. Quando abri o livro, vi que a missa havia sido na Basílica de Santa Maria Maggiore — justamente onde o Papa Francisco escolheu ser sepultado.

 
 
 

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